terça-feira, 27 de outubro de 2015
TROTES BRASILIANOS do livro “Além do Feijão com Arroz”
"Nem Pedro Pio nem Paulo Trajano me alertaram sobre os trotes nos novatos.
E são muitos. Logo na primeira hora do expediente, me disseram que teria que conferir as somas dos
balanços das fichas cadastrais. Havia uma diferença de alguns cruzeiros entre a
soma total e o balanceie do banco. Na época, não havia qualquer
mecanização. Todas as operações de crédito rural eram
registradas em fichas — mais de três mil delas.
Depois de revelar que era gozação, pediram que eu comprasse no comercio local uma “máquina de achar diferença” e, na única
livraria da cidade, pedira CIC, os livrões com
a Codificação das Instruções Circulares tio banco. O dono da livraria se
prestou a participar da brincadeira. “Hoje
estamos em falta, mas você encontra em Sousa”, uma cidade vizinha.
Outro trote era muito mais torturante. Já nas
primeiras horas, meus colegas disseram que, sendo o
novato, eu deveria pagar jacaré de coco para todos no
intervalo das 10 às
10,15. No semiárido tem jacaré?, estranhei. Mas era outra a questão que afligia:
eu não tinha dinheiro. Nem comigo e nem guardado. Como é que pagaria o tal jacaré para todos os mais de trinta funcionários? Cada vez que davam um tapinha em meu ombro e
avisavam, tentava sorrir. Não sabia o que fazer tinha vergonha de dizer que não poderia pagar.
Saía um meio sorriso, com cara de deus-me-acuda.
No intervalo, enquanto os funcionários tomavam café,
fumavam seus cigarros, puxavam papo,
eu só pensava no tenebroso jacaré. A iguaria do vendedor ambulante, pão doce em forma do bicho, coberto de
coco amarelo me apavorou. Ainda que confeitado, era um réptil de sangue-frio, quase sangue de barata. Meus colegas se
empanturravam, pediam permissão para repetir. “É...
claro...”. No final
das contas (e que contas!), cada um pagou o
seu. Não sem antes me torturarem até onde podiam".
Maílson da Nóbrega - “Além do Feijão com Arroz”
Pag. 80/81
terça-feira, 20 de outubro de 2015
quarta-feira, 14 de outubro de 2015
Sobre o Ataque de Sabino a Cajazeiras
O 80 anos do ataque do Guerrilheiro Sabino
Por Dra.Francisquinha
Na sombria tarde de 28 de setembro de 1926, a cidade de Cajazeiras localizada às margens do Açude Grande, tendo à frente a Igreja Matriz e ao lado esquerdo o Colégio Padre Rolim, mais à frente as casas comerciais e residências, no silêncio da espera, desperta aos tiros das armas do cangaceiro Sabino Gomes e seus asseclas.
Sabino Gomes teve a coragem de atacar a cidade de Cajazeiras, que tinha aproximadamente mais de 5.000 habitantes, e que através das autoridades da terra do Padre Rolim, como sejam Prefeito e o representante da força policial, tinham preparado estratégias para frustrar o ataque, além do juiz da cidade pedir reforço ao Presidente do Estado.
As autoridades tiveram conhecimento da marcha dos bandoleiros através de telegramas expedidos por parentes residentes nas cidades do Cariri cearense, informando-os que Lampião à frente de 100 homens, teria atravessado a região em direção à Paraíba, visando Cajazeiras.
Na verdade, quem marchou para a cidade de Cajazeiras foi Sabino Gomes, Sabino Gomes de Góes conhecido no mundo do cangaço como feroz guerrilheiro Sabino das Abóboras, lugar-tenente de Lampião, capitão Virgolino, patente recebida em 06 de março de 1926, na cidade de Juazeiro do Norte, Ceará, para lutar contra a Coluna Prestes.
Sabino e Antonio Ferreira, participando bravamente de grandes combates e momentos importantes ao lado de Lampião. |
Depois de três anos, estava de volta à Cajazeiras Sabino sob a chefia de 22 asseclas. Entre eles estavam: Laurindo, Mariano, Bom Deveras, Bentivi, Dois de Ouro, Rio Preto, Picapau, Euclides, Formiga, Braúna, Namorado, Gusmão, Maçarico e outros. Esse era um momento muito aguardado por Sabino!
Sabino e o seu bando iniciaram suas façanhas através dos Sítios: Marimbas, Tambor, Redondo e Baixa Grande onde fizeram uma parada. No sítio Baixa Grande, assassinou dois agricultores: Raimundo Cassimiro e seu filho Chico Cassimiro. Esta notícia se espalhou rapidamente assombrando a população dos recantos do município e principalmente a população de Cajazeiras.
Vista aérea atual da cidade de Cajazeiras, na Paraíba
Vários escritores, já descreveram o itinerário quando da entrada de Sabino à terra de Padre Rolim, iniciando pelo Sítio Remédios (atual bairro Remédios) com parada na casa de Luiz Boca-Aberta; desceram pela rua Cel. Vital Rolim, antiga Matança (atual Dr. Coelho), onde assassinaram, com um tiro na cabeça, um policial que fazia correição de animais soltos nas vias públicas.
A gritaria e os disparos amedrontavam a cidade. Nas proximidades do Prédio Vicentino, ex-Cine Pax, mataram Cícero Ferreira Lima, vulgo Pé de Cágado, que teve a ousadia de responder a Sabino que não tinha medo nem de cangaceiro nem de Lampião.Em seguida entraram pela rua do comércio, atual Padre José Tomaz, até a Praça Coração de Jesus, entrincheirando-se na Igreja do mesmo nome, enquanto os defensores encontravam-se entrincheirados nas ruas Sete de Setembro, atual Av. Presidente João Pessoa, e Tenente Sabino com a rua do Comércio, acontecendo um cerrado “fogo”. No calor do “fogo”, Sabino junto aos seus companheiros, deu exemplo de bravura pessoal, correndo pela rua, atirando ora com mosquetão, ora servindo-se do rifle papo amarelo, que acendia lampejos de fogo, refletindo uma fúria monstruosa. Na verdade, um grande guerrilheiro! Os defensores encontravam-se em posição privilegiada para o avanço dos bandoleiros, que tiveram que recuar pela rua da Tamarina e na passagem assassinaram o alfaiate Eliezer. Seguiram pela Travessa S. Francisco, entraram na rua Quinze de Novembro e atacaram a casa de Major Epifânio Sobreira, arrolado como um dos ricos da cidade. O Major reagiu ao ataque com ajuda de seu empregado José Inácio da Silva, mas mesmo assim foi ferido. O grupo avançou para a rua Sete de Setembro, atual Av. Pres. João Pessoa, quando foram surpreendidos pela misteriosa explosão da Usina de Força e Luz, instalada ao sopé da barragem do Açude Grande, sob a direção técnica de José Sinfrônio Assis, levando os bandoleiros a recuarem. Pensava eles ser reforço e era regra no cangaço recuar, quando o combate se tornava confuso ou incerto.
O principal objetivo do ataque de Sabino à Cajazeiras era VINGANÇA, por ter sido vítima de emboscada por policiais, tendo como responsável o soldado reformado Lourenço Dunga; em seguida prender o prefeito Sabino Rolim e o Dr. Draenner engenheiro das Secas, para pedir resgate. O saque ao comércio e as casas dos ricaços era praxe quando dos ataques dos cangaceiros; e por fim também vingar-se do velho conhecido ex-cangaceiro Raimundo Anastácio que aliou-se às autoridades policiais, passando todas as informações sobre o ataque.
Apesar da resistência formada por vinte e cinco homens, em primeiro plano Tenente Elias Fernandes (Delegado de Policia) e quinze soldados; mais: Romeu Menando Cruz, Pe. Gervásio Coelho, Joaquim Sobreira Cartaxo (Marechal), Bacharel Praxedes Pitanga, Jaime Carneiro, Raimundo Anastácio, Major Epifânio Sobreira, José Sinfrônio Assis e José Inácio da Silva, a cidade viveu as agruras do ataque que deixou marcas indeléveis. O soldado Lourenço pagou com a vida pelo que fez a Sabino. A casa de Raimundo Anastácio foi destruída, e quando da fuga, o grupo incendiou a residência de Martinho Barbosa e saquearam as residências de: Dr. José Coelho Sobrinho, do médico Dr. José Jorge Almeida, Manoel Pinheiros e do comerciante Júlio Marques entre outras.
Dom Moisés Sinezano Coelho, Bispo de Cajazeiras em 1926
O célebre e afamado Sabino com o seu bando, levou a cidade a viver mais de cinco horas de pavor. Inúmeras famílias, por medo, fugiram para as proximidades do município, pois os cangaceiros não usavam de piedade. A Igreja, na pessoa do Bispo D. Moisés Coelho, tomou como arma a oração pela cidade e pelos cangaceiros, porque afinal os cangaceiros eram filhos de Deus e vítimas das injustiças sociais.
Sabino era pernambucano, veio para Cajazeiras, através do importante político e comerciante, além de ser proprietário do Jornal “O Rebate”, Cel. Marcolino Pereira Diniz, com quem tinha uma forte ligação. Tempos depois trouxe também suas quatros filhas (Maria, Geni, Alaíde – Nazinha - e Maria de Lourdes – Delouza, e a sua mãe, Maria Paulo, à qual as pessoas chamavam carinhosamente de Vó.
Dra.Francisquinha; penultima à nossa direita, por ocasião do Cariri Cangaço
Sabino era um homem cujas decisões se davam pela ponta do punhal ou do rifle. O guerrilheiro Sabino fez a sua historia pelas armas. E a partir do meado da década de 20, no Sertão, uma toada muito conhecida veio a imortalizá-lo.
Lá vem Sabino
Mais Lampião
Chapéu quebrado
Fuzil na mão
Lá vem Sabino
Mais Lampião
Chapéu -de- couro
E Fuzil na mão.
Dra. Francisca Perreira Martins Gomes
Pesquisadora, sócia da SBEC; neta do Cangaceiro Sabino.
Livros consultados:
Carcará – Ivan Bichara
Guerreiros do Sol – Frederico Pernambucano de Melo
A Cajazeiras que Vi e onde Vivi (Memórias) Antonio Costa Assis
Historia da Medicina em Cajazeiras – Luiz de Gonzaga Braga Barreto