A cidade de
Cajazeiras localiza-se no extremo Oeste do Estado da Paraíba e distancia-se de
sua capital por cerca de 450 km, com uma população estimada em 51.081
habitantes, residindo em 11.928 domicílios e com uma renda média do chefe de
família de Cr$ 48.564,63. (IBGE,1991).
No tocante
às origens históricas da cidade há pelo menos duas abordagens que tentam
explicar sua gênese e desenvolvimento. A oficial - privilegia o aspecto
cultural-educacional do qual a fundação de Cajazeiras se revestiu. Sua origem
estaria vinculada a instalação, em 1843, de um colégio por iniciativa do Padre
Inácio de Souza Rolim. Tal instituição constituiu-se como a pioneira no Sertão
paraibano.
De fato, o
Colégio Padre Rolim - em função da atribuída competência do seu fundador - em
curto tempo de atividade conseguiu atrair, para além da clientela existente na
localidade, outros alunos de estados fronteiriços, assim como de outros Estados
mais distantes.
De acordo
com informações do professor Deusdedith Leitão, não foram pequenos os
deslocamentos de estudantes dos Estados do Rio Grande do Norte, Ceará,
Pernambuco, Piauí e Maranhão com destino a Região de Cajazeiras.
No plano simbólico esta origem da cidade representou uma vitória uma vez
que o Colégio do Padre Rolim projetou a futura cidade como tradicional
educadora. Daí, Cajazeiras ser reconhecida como "a cidade que ensinou a
Paraíba a ler ".
"O Colégio do Padre Rolim, ao lado da pecuária
já bastante desenvolvida e do plantio do algodão colocaram o povoado em
destaque na Região" (Livro do Município de Cajazeiras - L.M.C - p.38).
" passa em menos de trinta anos de simples
povoação, ou antes de fazenda, à categoria de cidade, sendo então a mais
comercial e populosa do Sertão" (Galvão et alii, 1987:3).
A implantação da rede ferroviária em 1922 vem
impulsionar o escoamento da produção do algodão, fazendo-o chegar com maior
ra-pidez aos portos e daí para as indústrias têxteis, sobretudo as
internacionais. Essa prioridade da via férrea no sentido do escoamento da
produção do algodão é ilustrada pelo fato que, somente no ano seguinte - 1923 -
inaugura-se o transporte ferroviário de passageiros. Da mesma forma a política
de obras contra as secas levadas a efeito pelo então Presidente da República,
Epitácio Pessoa, que incluía o melhoramento e abertura de novas estradas em
toda a região através do IFOCS (Instituto Federal de Obras Contra as Sêcas).
Nesse sentido foi contratada a empreiteira norte-americana Dwight P. Robinson.
Esse fato contribuiu duplamente para o desenvolvimento da cidade naquele
momento. Em primeiro lugar, as estradas construídas e/ou melhoradas agilizaram
o transporte de algodão das zonas rurais produtoras e cidades circunvizinhas
para o embarque ou o melhoramento mais rápido em Cajazeiras. Por outro lado, as
atividades comerciais se desenvolveram, quer pela safra do algodão, quer em
função do dinheiro da Inspetoria e dos americanos.
"Era tudo novidade para os matutos e para os
citadinos da modorrenta Cajazeiras, aquele vai-e- vem de autos e caminhões
dos gringos. Suas esposas e amantes a fazerem feira e a comprar tudo o que
visse e gostasse, nas lojas e mercados em Cajazeiras. Não tinham pena de
dinheiro; os seus dólares eram fartos que, trocados em Fortaleza por Mil Réis,
davam para tudo e, principalmente, para bebidas. Os negócios comerciais
cresciam tanto pelo regular inverno e a favorável safra de algodão, como por
conta do dinheiro da Inspetoria e dos americanos" ( Costa, 1986:43).
Com igual
expectativa de desenvolvimento econômico a implantação da energia elétrica na
cidade, com a inauguração da Usina Geradora de Força e Energia Elétrica,
favoreceu as usinas de beneficiamento de algodão aí instaladas, propiciando
grandes melhoramentos urbanos.
A configuração arquitetônica que caracterizava a cidade, a constituição
das suas casas e a sua disposição com relação ao meio urbano permite inferir
sobre a relação mais ampla da sua população, inclusive a própria relação
familiar.
No que
concerne aos casarões assobradados encontramos aí construções sóbrias, de
alvenaria, cuja abundância e qualidade do material de construção eram a sua
característica central. Encontramos aqui casas com um ou dois andares,
construídas a partir de pedras, tijolos, cal e cimento, cujas fachadas
caracterizavam-se pelo recorrente ornato com arabescos... Casebres de taipas,
rústicas construções feitas a partir de ripas trançadas e alcadas com barro,
cobertas por um complexo entrelaçamento feito a partir de folhas de coqueiro ou
de carnaúba. A própria precariedade dessas casas aponta para a publicização da
privacidade dos seus moradores, para a qual elas vão contribuir. São casas
pequenas, cujas subdivisões não comportavam mais que três cômodos, quando
muito. São, portanto, casas modestas e que apenas podem proporcionar aos seus
moradores a função de um precário e desconfortável dormitório, onde as relações
da vida coletiva aí não se completam.
De qualquer forma, a cidade passava naquele momento por um clima de
prosperidade econômica, reflexo da complementaridade havida, onde o campo
fornecia o alimento e o algodão para ser beneficiado e comercializado na cidade
e esta, por sua vez, abastecia o campo através do comércio, levando a estes os
produtos que ele não podia produzir. Dentre estes produtos não produzidos no
campo encontra-se o pão de trigo, que penetrou com relativa facilidade do
cotidiano alimentar das populações rurais polarizadas por Cajazeiras. É
necessário, todavia, destacar a ausência da tradição do pão de trigo no âmbito
da culinária sertaneja. É rica a descrição feita por Freyre dos hábitos e
práticas culinárias que remontam ao período colonial, onde destaca-se a larga
utilização da mandioca, do milho, da batata doce, das frutas, animais e peixes
típicos do Nordeste na preparação desses alimentos. Nesse contexto a farinha de
mandioca assumiu, ainda entre os colonizadores, um lugar de destaque na medida
em que substituiu o pão de trigo europeu.
As
primeiras padarias instaladas na cidade de Cajazeiras datam da segunda década
do nosso século: uma do ano de 1911 e outras duas do ano de 1919.
Naturalmente
durante os dias de feiras, os "matutos" se
esbaldavam no pão doce com refresco, que levavam o pão quentinho para
casa. as padarias tinham a sua produção aumentada, uma vez que o fluxo de
pessoas à cidade significava também o consumo do pão na própria padaria. Com o
pão se fazia caridade, davam-no como esmolas para os mendigos.
No
que concerne à panificação os anos 40 foram por demais significativos porque
até aí a produção panificadora foi extremamente restrita no que tange a
diversificação. Vejamos o que nos informam dois dos mais antigos padeiros da
cidade.
"As padarias daqui só sabiam fazer um tipo de
pão aguado, fino e duro que só cacete, não tinha cristão de Deus que aguentasse
comer. Já o pão doce era que nem chiclete, tinha uma liga medonha, e faziam
também umas bolachas redonda que também não eram boas ("seu" Saora).
"Em julho de 1947 eu estava certo de ir
trabalhar em Conceição do Piancó e passando aqui em Cajazeiras fui chamado para
trabalhar aqui. É que o pão lá em Zeca da Padaria tava saindo ruim e Zeca falou
para eu ficar trabalhando com ele prometeu um ordenado melhor do que o de lá,
aí eu fiquei com Zeca. ("seu" Esmero).
Realmente,
a partir de 1947 com a chegada de alguns padeiros vindos da cidade de
Patos a panificação em Cajazeiras começou a tomar novo vulto e passou a haver
uma maior diversificação neste setor: o "seu" Saora,
ainda empregado, lançou no mercado Cajazeirense o "pão
recife"; o "pão doce de coco", a "brôa
prêta"; "seu" Esmero lançou as bolachas "espinharas",
"peteca", "canela" e a bolacha de goma.
Os padeiros que lhes antecederam eram, na ótica do
"seu" Esmero e do "seu" Saora, inferiores e essa
inferioridade era expressa no "pão ruim", no "pão duro
que só cacete". .
Todavia,
o "seu" Saora não ficou pouco tempo trabalhando como
empregado, conseguiu abrir o seu próprio negócio, a sua gangorra, uma vez que
sendo ele um padeiro por demais respeitado na cidade diante do reconhecimento
obtido pelos seus produtos, optou pelo trabalho autônomo. Já o "seu" Esmero
continuou na condição de empregado ainda que um empregado muito considerado em
função da sua reconhecida competência e saber no ramo da panificação.
Não
foi apenas o lombo dos burros que fazia a locomoção para fazer os produtos
panificados chegarem até a zona rural. O " seu" Saora nos informa que
durante os anos 1950 ele produzia pães, biscoitos e bolachas na sua gangorra e
os transportava, pessoalmente, à pé, até as mercearias nas zonas rurais mais
próximas.
Sendo
ele dotado de muita força e equilíbrios físicos, conseguia transportar um
balaio grande cheio de pães e sacos de biscoitos à cabeça e mais quatro sacos
(dos utilizados para o acondicionamento da farinha de trigo), também contendo
pães, bolachas e biscoitos - dois sacos amarrados a cada ombro.
É
claro que as distâncias percorridas eram relativamente curtas, nunca
ultrapassando a média dos seis quilômetros.
Ser
padeiro é uma função exclusivamente masculina diante do esforço físico
despendido, da necessidade da força bruta para a execução de determinadas
tarefas, de rapidez e habilidades práticas em outras. A mulher não teve
oportunidades nesta seara e ainda mais porque "mulher na padaria
dá problema no amor".
"Lá na padaria somente trabalhava
homem. Como é que pode? Como é que pode mulher trabalhar em padaria? Não dá
certo. Ela não tem força e o serviço é muito pesado, trabalhar a
noite toda, o dia todo. Não pode. Não é ramo prá mulher" ( "seu"
Esmero).
Mas
foi graças a sua família nuclear que o "seu" Saora
conseguiu montar em 1947 e manter até 1983 a sua gangorra. Portanto, foi
com e na mão de obra familiar que ele progrediu.
"Eu pelo menos trabalhei com a
família. Trabalhei com a minha família porque era difícil botar uma pessoa,
porque poucas vezes eu botei uma pessoa prá me ajudar, foi poucas vezes que eu
botei, mas sempre só trabalhava em casa com a família mesmo".
A
sua esposa, d. Toinha, além das tarefas domésticas e das tarefas próprias da
gangorra, na fabricação de pães e bolachas, ainda fazia bolinhos em formas de "latas
de sardinhas" que eram vendidos com refrescos - que ela também
preparava - na sala de sua casa. Era uma espécie de casa-quitanda, onde ela
também assava bolos dos vizinhos e preparava carnes e salgados para festas, sob
encomendas. A distribuição dos pães pelas ruas centrais da cidade era feito por "seu" Saora
e seus filhos. Tanto é assim que das várias gangorras relembradas pelos
nossos informantes apenas a do "seu" Saora conseguiu manter-se, onde
os seus filhos assumiram o controle do negócio após a sua aposentadoria.
A
criatividade do padeiro foi outro fator relevante na vida das gangorras.
Ficaram famosos, por exemplo, em Cajazeiras, o "jacaré de coco" e a
"bolinha de ouro" produzidos pelo "seu" Saora: ambos eram
pão docer. A "bola de ouro" recebia uma cobertura de garapa de açúcar
depois de assada; o "jacaré de coco" recebia, antes de ir ao forno,
uma cobertura feita de coco e açúcar e, depois de assado, recebia também uma
camada de garapa de açúcar. Esse pãzo tinha realmente a forma de um jacaré.
Esses
pães eram vendidos principalmente nas regiões mais centrais da cidade para o
que o "seu" Saora desenvolveu uma técnica particular que o
caracterizou. Com o balaio carregado de pães a cabeça ele saía pela cidade
gritando jargões.
"Chegou, chegou. Olha o pãozão de
arrouba, está se acabando. Quem é que não tem prazer num pão desses?"
"É o jacaré de coco. Olha a bola
de ouro: preparada com queijo, coco e doce de goiaba. É ouro até na cor,
gente".
Foi
somente a partir deste cotidiano de trabalho familiar intenso e penoso que esta
gangorra conseguiu sobreviver. Todavia, todo esse sacrifício representou a
independência do padeiro com relação ao assalariamento, ainda que isso
significasse uma forte exploração efetiva do trabalho familiar.
Como
pressuposto às bases materiais da possível autonomia, para além da mão de obra
familiar é necessário que se considere também a propriedade dos meios de
produção, de forma que tal processo viesse a atender diretamente aos interesses
dos produtores.
Mapa da cidade está incorreto
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