A nova geração
conhece Lua Bonita pela bela regravação feita pelo maluco beleza Raul Seixas.
No entanto, a música foi originalmente gravada em 1953 por Zé do Norte, autor
da canção em parceria com Zé Martins, para a trilha sonora do clássico de Lima
Barreto, "O Cangaceiro", que foi considerado o melhor filme de
aventura do Festival de Cannes daquele ano. Nesse mesmo filme, Zé do Norte
também lançou Mulher rendeira, outro clássico da MPB. Aliás, mesmo no Nordeste,
esta música é tão enraizada no imaginário coletivo, que a maioria das pessoas a
vêem como herança folclórica, de domínio público e autor desconhecido. A trilha
do filme, que tem parte das músicas de outros autores, em muito contribuiu para
tornar a música de Zé conhecida em todo mundo - Europa, EUA, União Soviética -
já que, na época, a fita foi vista em 80 países e por quase 50 milhões de
pessoas!
Texto de
Enoque Feitosa informa que Alfredo Ricardo do Nascimento, ou melhor, Zé do
Norte (foto), nasceu em Cajazeiras em 18 de dezembro de 1908 e migrou para o Rio de
Janeiro em 1926, ao completar 18 anos. Se vivo estivesse estaria completando,
em 2009, 101 anos de uma vida marcada por intensa ligação com seu povo e sua
cultura e por belíssimas músicas que fazem parte do cancioneiro nacional.
No Rio, na
esteira da afirmação da música nordestina, através de Luiz Gonzaga, em programas
da Rádio Nacional, criada após a Revolução de 30 por Getúlio Vargas, para
estimular a difusão de uma Cultura Nacional-popular, Zé do Norte, foi
descoberto pelo homem de teatro Joraci Camargo, autor de "Deus lhe
Pague" e "Sindicato dos mendigos". Ao lado de outros que na
mesma época eram atraídos pelo Rio, como João Pernambuco, Jaime Florence, (o
Meira, que com o Dino 7 Cordas formou uma das mais duradouras duplas do violão
brasileiro), Luperce Miranda, Jackson do Pandeiro, entre outros, Zé do Norte viu
surgir a grande oportunidade de afirmação de seu talento, tendo nesse período
de 1928 e até o final da década de 50 tido intensa participação na difusão da
cultura e do cantar nordestino, na antiga capital federal.
Zé do Norte
saiu de Cajazeiras praticamente analfabeto. Lá, foi funcionário da limpeza de
um colégio particular e mesmo propondo trabalhar de graça para poder estudar,
não foi aceito por que, conforme lembra nas suas memórias, o então diretor o
informou que "aquele era um colégio exclusivo para pessoas de
família". Mesmo assim, sem chances de obter educação formal, Zé não abriu
mão de adquirir sólida formação humanista, que foi decisivo para vinculá-lo as
suas raízes e produzir uma música bela e evocativa dos sentimentos de sua
gente. Zé produziu cerca de 200 obras musicais, boa parte carecendo de um
trabalho de catalogação. Sua obra é cantada hoje no Brasil e no exterior,
embora nem sempre a fonte seja citada.
No período
mais fértil da carreira de Joan Baez, ali nos anos 60, vários artistas, como
Bob Dylan e a própria Baez foram buscar no folclore americano e na música da
América Latina fonte de inspiração. E é num de seus primeiros discos, o
"Joan Baez 5", que encontramos a "Mulher Rendeira", com o
título de "O Cangaceiro" e com o Zé do Norte com seu nome de batismo
completo, Alfredo Ricardo do Nascimento. Nesse mesmo disco, Baez gravou a
"Quinta Bachiana", de Villa-Lobos.
Na MPB uma
outra canção sua muito conhecida é "Sodade, meu bem, sodade", toada
gravada pela primeira vez por Vanja Orico, em 53. É dele também "Meu
Pião", que gravou em 71 e que tornou-se conhecida na voz de Geraldo
Azevedo. Suas músicas, além de evocativa das coisas sertanejas, têm muito
lirismo, como se vê em "Sapato de algodão ("eu fui dançar/ com meu
sapato de algodão/ o sapato pegou fogo/ eu fiquei de pé no chão"),
Zé do Norte só
voltou a Paraíba quase 60 anos depois, em 1985, para ser homenageado em um
festival cultural. O conjunto de sua contribuição à MPB e as Culturas Nacional
e Regional é imensa e ainda pouco conhecida, sendo utilizada, como é o caso de
"O lobisomem de Cajazeiras", em textos teatrais e novelas de TV, em
nome de outros autores. Ele foi um representante típico daqueles artistas
enquadrados na definição de Tolstoi: "Sou universal ao falar de minha aldeia.
Descreva sua terra e assim estarás descrevendo o mundo todo". Zé morreu em
4 de janeiro de 1992 no Rio de Janeiro.
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