"Nem Pedro Pio nem Paulo Trajano me alertaram sobre os trotes nos novatos.
E são muitos. Logo na primeira hora do expediente, me disseram que teria que conferir as somas dos
balanços das fichas cadastrais. Havia uma diferença de alguns cruzeiros entre a
soma total e o balanceie do banco. Na época, não havia qualquer
mecanização. Todas as operações de crédito rural eram
registradas em fichas — mais de três mil delas.
Depois de revelar que era gozação, pediram que eu comprasse no comercio local uma “máquina de achar diferença” e, na única
livraria da cidade, pedira CIC, os livrões com
a Codificação das Instruções Circulares tio banco. O dono da livraria se
prestou a participar da brincadeira. “Hoje
estamos em falta, mas você encontra em Sousa”, uma cidade vizinha.
Outro trote era muito mais torturante. Já nas
primeiras horas, meus colegas disseram que, sendo o
novato, eu deveria pagar jacaré de coco para todos no
intervalo das 10 às
10,15. No semiárido tem jacaré?, estranhei. Mas era outra a questão que afligia:
eu não tinha dinheiro. Nem comigo e nem guardado. Como é que pagaria o tal jacaré para todos os mais de trinta funcionários? Cada vez que davam um tapinha em meu ombro e
avisavam, tentava sorrir. Não sabia o que fazer tinha vergonha de dizer que não poderia pagar.
Saía um meio sorriso, com cara de deus-me-acuda.
No intervalo, enquanto os funcionários tomavam café,
fumavam seus cigarros, puxavam papo,
eu só pensava no tenebroso jacaré. A iguaria do vendedor ambulante, pão doce em forma do bicho, coberto de
coco amarelo me apavorou. Ainda que confeitado, era um réptil de sangue-frio, quase sangue de barata. Meus colegas se
empanturravam, pediam permissão para repetir. “É...
claro...”. No final
das contas (e que contas!), cada um pagou o
seu. Não sem antes me torturarem até onde podiam".
Maílson da Nóbrega - “Além do Feijão com Arroz”
Pag. 80/81
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