sábado, 4 de março de 2017

Antônia Maria de Lima - NOVENTA E NOVE

Foi através de dona Erotildes Holanda que pude colher alguns dados sobre a pessoa de Toinha, como também era conhecida. Solteira, natural de Santa Helena, PB. Nasceu em 13 de junho, o ano ela não soube precisar. Não sabemos como, nem quando chegou a Cajazeiras. Ao chegar a nossa cidade, era uma pessoa aparentemente saudável, porém demonstrava uma certa inquietude. Passou a morar com Francisca Holanda Neta, conhecida por dona Neta; esta se mudou para João Pessoa, não sendo, então, possível levar Toinha. Com a mudança de dona Neta, Toinha passou a ter uma vida conturbada, já que deixara de ter residência fixa.
Passou, assim, a vida, num eterno vai e vem de Cajazeiras ao sítio, no município de Santa Helena, onde dizia residirem seus parentes, os quais não chegamos a conhecer. Com a ausência de dona Neta, Toinha passou a receber o apoio, a generosidade c os cuidados de dona Erotildes e suas Filhas.
A essa altura dos acontecimentos, Toinha começou a apresentar distúrbios mentais, por não ter recebido um tratamento adequado e pela falta do carinho da família. Tais problemas foram se agravando no decorrer do tempo. Sabemos que, quando uma pessoa é acometida dessa doença, a própria comunidade encarrega-se de piorar a situação, colocando apelidos e tratando-a com discriminações; com ela não poderia ser diferente.
Com a doença, ela começou a imaginar e ter paixões por pessoas da cidade, como por exemplo, o médico Waldemar Pires Ferreira (foto), Dr. Antônio Quirino, Etiene e outros. No decorrer dos anos, a doença foi se agravando, Toinha foi perdendo vigor da vida e cedo envelheceu. Surgiu, então, o bendito apelido que a deixava bastante nervosa e furiosa; “noventa e nove”.
Era uma pessoa muito conhecida na cidade, andava muito pelas ruas e tinha como lugar preferido as repartições públicas, onde tinha passagem livre. Sempre visitava meu local de trabalho à procura de livros, cadernos e lápis, levando sempre consigo rosas, para me presentear. Andava limpa e com bijuterias, brincos, anéis, pulseiras e colares.
Guardo várias lembranças de Toinha, e uma delas foi quando, na cerimônia de casamento de Maria das Neves com Tarcísio Lira, ela lá estava. Para fazê-la feliz por alguns minutos e também tornar a cerimônia mais descontraída, convidei Toinha, com a permissão da noiva, para usar a calda do véu da mesma, formando na cabeça dela uma grinalda; a sua satisfação e alegria foram enormes, fato este registrado em fotografia.
Ela poderia está na maior alegria, mas, para que essa felicidade terminasse, bastava alguém chamar ou dizer ‘noventa e nove'; isso era suficiente para ela chamar palavrões ou “mundo cair”, ou também quando lhe perguntavam por um daqueles com os quais ela se dizia enamorar.
   Lembro-me também, confirmado por dona Erotildes, que o Dr. Iemirton Braga chamou-a de “noventa e nove” foi o suficiente para que ela apedrejasse seu carro, causando-lhe sérios prejuízos. Diante desse fato, o referido médico tratou de encaminhá-la para um tratamento na colônia Juliano Moreira em João Pessoa, o qual durou apenas seis meses.
Numa determinada madrugada, Erotildes e suas filhas acordaram ao ouvir alguém chamá-las por seus nomes; ao abrirem a porta tamanha surpresa sentiram ao se deparar com Toinha, acompanhada de uma enfermeira que tinha acabado de receber alta do hospital. Erotildes não pensou muito, acolheu-a como se fosse uma pessoa sua, ou como uma missão dada por Deus.
Toinha não era mais a mesma, estava mais velha, cadavérica, suja e com piolhos. Sentiram dó... Regina e suas irmãs ao verem a situação de Toinha trataram de dar-lhe os primeiros cuidados. Alimentando-se bem e com os devidos cuidados, ela foi se recuperando, o estado físico melhorou, menos a doença mental.
Apesar de ter sempre contato com o apoio e os cuidados da família Holanda, Toinha, em suas crises, ‘"tirava dos cachorros e jogava Holanda”, usando sempre a frase: “a lua falta uma banda, e quem comeu foi os Holanda”.
Para nossa surpresa e dos Holanda, no dia 31 de maio de 1993, Toinha veio a falecer em companhia de seus familiares. Ela teve uma trajetória de sofrimento, desprezo e dificuldades. Foi mais uma no meio de muitas “Antônias”, que, por ironia do destino, perdeu o de mais precioso do ser humano que é a saúde mental.
Esperamos que o nosso Pai Eterno tenha acolhido Toinha no céu, como dona Erotildes e suas filhas fizeram aqui na terra.

3 comentários:

  1. Coincidência essa. Antes de ontem,31/01/2013, em visita ao meu irmão Nonato Guedes, na sua residência, ele me mostrou esse livro de Irismar que havia recebido de presente.Comentamos algumas páginas do livro e rememoramos alguns fatos e fotos de Cajazeiras. Momento nostálgico gostoso. Parabéns a Irismar pela bela e louvável iniciativa. Abraços, Fátima Aquino

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  2. Olá, gostaria se possível de receber mais informações dessa senhora. Sou historiadora e estou orientando uma monografia sobre a esquizofrenia em Cajazeiras. Grata

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  3. Rosilene, todas as informações que disponho são estas da postagem

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