por Francisco Frassales Cartaxo
Cresci ouvindo meu pai narrar, vez por outra, o susto que passou ao
ver-se frente a frente com Lampião. Cristiano Cartaxo (foto) contava sempre a mesma
versão, quase com as mesmas palavras a indicar a veracidade do episódio por ele
vivido. Certa ocasião, noite alta, ele se dirigiu à Farmácia Central, fundada
pelo seu pai, o major Higino Rolim, para aviar uma receita, a pedido de pessoa
amiga. Nessa época, década de 20 do século passado, a farmácia ficava na Rua
Sete de Setembro, hoje Avenida Presidente João Pessoa. Cristiano entrou na
botica, deixando a porta entreaberta, e foi preparar o remédio. Com pouco
tempo, apareceu um desconhecido em trajes estranhos, arma de fogo e punhal. Meu
pai apressou-se em procurar atendê-lo àquela hora da noite:
- O senhor deseja alguma coisa? Precisa de algum remédio?
Disse mas não obteve resposta. O estranho esboçou apenas um leve sorriso,
deu alguns passos, lentamente, parou para espiar melhor as pra- teleiras, voltou
a caminhar pelo pequeno corredor até os fundos da loja, sem uma palavra, por
mais que meu pai insistisse em oferecer-lhe seus serviços profissionais de farmacêutico.
O visitante saiu pela porta, não sem antes fazer breve reverência de cabeça.
Meu pai, sem pestanejar fechou a porta com ferrolho e voltou à sua tarefa.
Claro que teve medo, sobretudo, porque isso se deu após o ataque do cangaceiro
Sabino Gomes (foto) que, segundo meu pai, tinha como um dos seus objetivos ao invadir
Cajazeiras “agarrar o enxu do major Higino”, numa referência ao cofre da farmácia
do meu avô.
Sabino Gomes conhecia bem Cajazeiras. Fora guarda-costas de Marcolino
Diniz, um cidadão que residiu em Cajazeiras, pouco depois de assassinar o
bacharel Ulisses Wanderley, juiz de direito da cidade de Triunfo (PE), em 30 de
dezembro de 1923. Preso em flagrante, foi solto pelos cabras de Sabino, a mando
de Lampião, que era amigo e protegido do coronel Marçal Florentino Diniz, pai
de Marcolino. Em Cajazeiras, Marcolino fundou e manteve, junto com o advogado
Praxedes Pitanga, o jornal O Rebate, que circulou entre 1925 e 1928. Marcolino era
irmão unilateral de Sabino Gomes, pois este nascera de relação sexual do
coronel Marçal com sua cozinheira, em Abóboras, município de Serra Talhada (PE),
perto de Princesa Isabel, terra do famoso coronel José Pereira, aliás, sogro de
Marcolino Diniz. Sabino chegou a trabalhar nas obras de construção do açude de
Boqueirão e desfilava armado pelas ruas de Cajazeiras, na qualidade de capanga
de Marcolino Diniz.
Foto batida pelo fotógrafo profissional, Francisco Ribeiro em Limoeiro do Norte |
Como o poeta Cristiano soube que o cangaceiro misterioso era Lampião? Meu
pai o identificou numa foto que correu mundo, batida pelo fotógrafo
profissional, Francisco Ribeiro, em Limoeiro do Norte, quando o bando ali
estacionou, ao re- gressar da frustrada invasão a Mossoró. Em Limoeiro, os
cangaceiros foram recebidos sem hostilidade. Ao contrário, tiveram direito a
banquete, fizeram compras no comércio e até rezaram na igreja em companhia do
padre.
Revejo, agora, a foto histórica, in- serida no livro de Frederico
Per- nambucano de Mello: Guerreiros do sol - Violência e banditismo no Nordeste
do Brasil -, talvez o melhor estudo acerca do fenômeno social do cangaço nordestino.
Revejo com saudade do meu pai que, em 2013, completa 100 anos de formado na antiga
Faculdade de Medicina e Farmácia do Rio de Janeiro.
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