Por
Nonato Guedes
Sob o título “Um político diferente”, o jornalista José Moraes
de Souto traçou o perfil do ex-deputado e ex-governador Ivan Bichara Sobreira
no ensaio para a Coletânea “Poder e Política na Paraíba”, editada pela API e
jornal “A União” em 1993. A definição reproduzia com fidelidade o estilo do cajazeirense
mais ilustre, nascido em maio de 1918, que morreu no Rio de Janeiro em junho de
1988. Candidato ao Senado em 1978, sentiu-se vítima de insidiosa traição de
companheiros de partido, que sufragaram Hum- berto Lucena, vitorioso com a ajuda de
sub- legendas. Filho de João Bichara e Hermenegilda Bichara Sobreira, Ivan
iniciou os estudos no colégio Padre Rolim , na cidade-berço e concluiu o curso colegial no Lyceu
Paraibano. Aportou em João Pessoa ciceroneado pelo padre Carlos Coelho, seu conterrâneo, que dirigia o jornal católico A “Imprensa”. Em
pouco tempo, transferiu-se para Recife, onde foi aluno da
tradicional Faculdade de Direito e ingressou, por concurso, no antigo Instituto
de Aposentadoria e Pensões e Industriários - IAPI.
"Na Faculdade -
descreve Souto - foi co- lhido pelos aconteci- mentos políticos de 1945 e teve
atuação realçada ao lado do malogrado
Demócrito de Souza Filho. No fim do ano, ao terminar o curso, cou- be-lhe a
distinção de pronunciar o discurso junto ao túmulo do a- cadêmico mártir, na
romaria que todos os concluintes empreenderam ao cemitério de Santo Amaro. A
turma não teve orador na solenidade de colação de grau, pois seria, certamente,
o seu integrante morto na sacada do Diário de Pernambuco, por uma bala saída da
boca de fogo da arma de um policial”. Em 46, de volta à Paraíba, iniciou
trajetória política, elegendo-se deputado à Assembleia Constituinte do ano
posterior, pela UDN. “O sertanejo manso
de espírito, cordial e culto”, ainda para citar José Souto, foi reconduzido
à Assembleia em 1950 e galgou a presidência da Casa por um mandato de dois
anos, caracterizado pela sobriedade, seriedade e eficiência. Em 54, conquistou
a deputação federal, repetida em 1958, com atuação pródiga em plenário e nas
comissões técnicas.
Em um almoço em Cajazeiras.com o prefeito à época Francisco Matias Rolim |
Governador Ivan Bichara recebe maquete do teatro da Classe teatral cajazeirense |
Do ponto de vista político eleitoral, Ivan enfrentou em 1978
uma das mais dolorosas experiên- cias. Candidato ao Senado pela Arena, homologação
depois de passar por uma barreira de restri- ções devido a ou- tras postulações
in- ternas, sofreu os- tensiva cristianiza- ção liderada pelo então deputado An- tônio
Mariz, já em processo de dissidência partidária e a caminho da aproximação com
o MDB-PMDB dirigido por Humberto Lucena. Deu-se que na contagem final dos
votos, Ivan alcançou 303.154 sufrágios, enquanto Humberto abocanhou 269.795
votos. Entretanto, Humberto, habilmente, recorreu a sublegendas, uma encabeçada
pelo advogado Ary Ribeiro, com raízes em Campina Grande, outra pelo deputado
João Bosco Braga Barreto, político com influência em Cajazeiras. Há versões desencontradas
sobre os bastidores do processo desencadeado no partido governista. Umas
sinalizam que Bichara, por teimosia, teria recusado o reforço de candidatos em
sublegendas. Outras sustentam que manobras internas evitaram o registro de
nomes nas duas sublegendas, admitidas na legislação eleitoral da época. O fato
é que foi proclamado vitorioso o menos votado individualmente, Humberto Lucena,
que retribuiu o apoio da dissidência situacionista aceitando Antônio Mariz nos
quadros do PMDB, sucedâneo do MDB, e adotando-o como candidato a governador na
eleição direta de 1982, na qual saiu vitorioso Wilson Braga, já pelo PDS, com uma
diferença de 151 mil votos. Consta, também, que Ivan teria sido afetado na sua
pretensão pela postura neutra adotada pelo seu sucessor, Dorgival Terceiro
Neto, que se investiu garantindo manter a máquina administrativa à distância de
embates eleitorais.
Inauguração do Colégio Ivan Bichara Sobreira,uma das poucas homenagens ao governador na cidade de Lagoa de Dentro |
E prosseguiu: “Eu fui
candidato ao senado, mas na hora ‘H’ muitos se afastaram da minha candidatura
por um motivo ou outro, e eu fiquei sozinho. Sozinho para conquistar o posto de
senador. Tive uma votação muito grande, não me queixo, absolutamente, do povo
paraibano, que votou em mim maciçamente. Eu tive 42 mil votos a mais do que o
candidato eleito, o que provou que fui bem votado na Paraíba. Não me elegi por
causa da sublegenda, porque eu não pude ter dois candidatos, como a legislação
permitia, para me ajudar na soma tios votos, como ocorreu com o candidato
concorrente. Mas ainda assim fui bem votado, apesar da minha falta de jeito para
a política, e fiz uma obra de governo séria, e isso rendeu uma votação
impressionante. Eu saí sem mágoa nenhuma, mas saí meio decepcionado realmente
com os partidos políticos que me apoiaram, a vida partidária, a vida política
do Estado. Eu não fiz nada para merecer uma traição tão grande. Mas não tive
mágoa do povo paraibano nem da Paraíba”.
Ivan nunca mais voltou a postular cargos políticos, embora
se mantivesse inteirado dos acontecimentos e fizesse manifestações esparsas
sobre fatos da conjuntura. Numa conversa com este repórter, já com o
restabelecimento do pluripartidarismo, lamentava a inexistência de uma
agremiação que enfocasse a problemática
do Nordeste como prioridade. Não tratava, para ele, de criar-se um partido
regionalista. Seria partido nacional, mas priorizando a temática nordestina, com
proposições voltadas para a superação das desigualdades econômicas e sociais.
Explicando em detalhes a Severino Ramos o processo de sua escolha para o
governo, por via indireta, historiou ter aceito a prebenda pela oportunidade de
servir ao Estado e de ser governador, o que considerava uma honra. “Aceitei meio desconfiado que a coisa não
chegasse ao fim, porque eu estava
afastado da política. Mas Ernani Sátyro levou a coisa a sério e contou com o
apoio do general Reynaldo de Almeida que, sem se meter em política, mas sabendo
que podia ser útil ao Estado, ajudou um pouco na feitura da minha candidatura.
Quando foi escolhido, o senador Petrônio Portella convidou-o a ir a Brasília.
Travou-se, então, o seguinte diálogo:
Esquecido pelos seus conterrâneos, o Governador Ivan Bichara é bem pouco lembrado pelos conterrâneos, Ivan Bichara é bem pouco lembrado. Acima o Batalhão de Polícia com o seu nome |
Ivan Bichara: “Não é
bem assim, eu tenho interesse; agora não estou morrendo para ser governador. Se
isso vier, recebo com a maior alegria da minha vida. Não estou morrendo para
ser governador porque eu tenho uma vida tranquila, estou satisfeito, mas, para
mim, a maior honra seria essa. Só que não estou no meio das articulações”.
Petrônio Portella: “Você
vai ser o escolhido; então, vamos deixar tudo isso de lado, vamos começar
trabalhando. Vá para seu Estado trabalhar”.
No episódio da sua sucessão, o partido, no Estado, escolheu,
por maioria absoluta, o nome de Milton Cabral. “E me deu isso num prato, e me cabia só concordar, pois tinha sido uma
decisão do partido. Depois da escolha de Milton, houve uma resistência muito
grande de outras fontes do partido, e apareceu o nome de Antônio Mariz. Antes
da escolha de Milton, eu já tinha conversado com Mariz e lhe disse que
procurasse Ernani Sátyro em Brasília. Mariz conversou com Ernani, mas nesse
tempo já havia uma fermentação contra mim, o governador que ia sair. Isso é
natural, é inevitável, é fatal. Então, eles resolveram lançar a candidatura de
Mariz, num chamado Acordo de Brasília, contrariando a decisão do diretório
estadual do partido. Fui a Brasília e expliquei a situação ao presidente Geisel, que me tinha amizade e
por quem sempre tive admiração. Ele ficou em dificuldade porque não queria
criar problemas nos Estados. Golbery (do Couto e Silva), que era chefe da Casa Civil e homem de grande confiança de
Geisel, me chamou para conversar e informou que a situação já estava definida e
que o candidato era Antônio Mariz, me pedindo para acomodar as coisas de
maneira que não se criasse problema para o poder central e para o presidente.
Eu narrei a ele como surgiu a candidatura de Milton Cabral, que era uma decisão
de partido, e o surgimento, depois, de uma candidatura em Brasília, à minha
revelia”.
Ainda no depoimento a Severino Ramos, Ivan destaca que,
embora fosse muito amigo de Mariz, ele saiu candidato sem consultá-lo. Golbery
insistiu: “Mas procure acomodar a
situação, pois a escolha de Mariz é pacífica entre as lideranças" Ivan
respondeu: “Pacífica não está, não. Eu
não sou político profissional, fui governador para cumprir uma tarefa e
com mesma naturalidade com que tomei
posse do governo e governei, eu largo também, renuncio. Acho que a democracia
se baseia no partido político, o partido tomou essa decisão e eu tenho que
cumprir. Não tenho nada contra Antônio Mariz, lutei para que ele fosse
candidato, mas o que hoje se diz em
Brasília e na Paraíba é que Mariz foi escolhido acima da vontade do governador.
Eu não crio problema, vou para o Estado, renuncio, assume o vice-governador e
eu não farei escândalo disso. Saio do mesmo jeito como entrei. Então, ele me
pediu que não fizesse isso e que iria
conversar com o presidente”. Depois da conversa com Golbery, Ivan esteve com Geisel e expôs a mesma
posição. O presidente lhe disse: “Você
tem razão. Acomode isso de maneira que a sua autoridade seja respeitada, eu não
quero que você se afaste. Aí surgiu a
candidatura de Burity. O presidente disse que, já que não podia ser Milton,
porque ele não tinha uma receptividade muito boa no plano federal e o nome dele
não fora bem acolhido, e a escolha de Mariz tinha sido errada, que eu levasse
uma relação de nomes para ele escolher o candidato. Levei uma lista com os
nomes de Dorgival Terceiro Neto, Clóvis Bezerra e Burity, nessa ordem. No dia
seguinte, recebi comunicação da presidência da República de que o presidente
queria que eu indicasse um nome só, entre os três da lista. Indiquei Burity,
sem nenhum desapreço a Dorgival, pessoa que eu estimo muito e que foi um homem
corretíssimo comigo. Eu escolhi Burity porque o seu nome teve excelente
receptividade no meio federal. Assim foi a escolha”.
A correção de Ivan Bichara para com o movimento militar de
64 foi explicitada sem subterfúgios em inúmeros pronunciamentos, nos quais
fazia a defesa do regime por convicção, por discordar do clima de baderna que
imperava nos tempos tumultuados do governo João Goulart. No discurso na Assembleia
Legislativa, após ser homologado governador, em 74, ele dizia sentir-se à
vontade numa Casa onde pontificou com empenho e espírito público. “Venho com o espírito desarmado e coração
isento para ajudar a Paraíba. Venho para servir, não para ser servido”.
Proclamava sua solidariedade aos que mais
precisavam da ação governamental. “Ou
construímos um mundo melhor, mais humano, mais cristão, ou afundaremos sob o
impacto da miséria, do terrorismo, da subversão, no colapso de uma civilização
que perdeu seu destino e sua vocação”. Exaltava como fundamental a preservação
da ordem e das instituições e louvava, com sinceridade, “a obra de renovação da revolução, que deve ser lembrada com justiça e
gratidão”. Para ele, o FGTS, o PIS e o Funrural, além da aposentadoria para
empregadas domésticas, davam o tônus da posição criadora da revolução no plano
econômico e social.
Nesse discurso, elogiou os governos de Ernani Sátyro e João
Agripino, e advertia que o país descia vertiginosamente no plano inclinado da
convulsão social, da anarquia e da baderna. “Ninguém pode desejar o retorno
da desordem”, endossava. No reverso da medalha, propunha o aperfeiçoamento
da evolução democrática e do progresso social. Lembrou que, como deputado
federal, foi um dos poucos a se posicionai contrariamente à transferência dar capital
para Brasília, não porque tivesse restrições à iniciativa de Juscelino Kubitscheck,
mas porque enxergava outras prioridades, tais como a destinação de recursos e
de investimentos para o Nordeste. “Mas Brasília é uma realidade. O que passou,
passou”, acedia. Analisando especificamente o movimento de 64, interpretava que
“a revolução não foi exclusivamente um
golpe militar. Foi, sobretudo, um movimento de opinião pública uma reação de parcelas
ponderáveis da sociedade contra a desordem”. Nessa linha de raciocínio,
observava que as Forças Armadas apenas se incorporaram ao povo. E achava ser
imperioso reconhecei que mudanças já se faziam notar na conjuntura brasileira.
Dizia que o presidente Castello Branco iniciara o saneamento
político, com o afastamento dos “responsáveis pelo caos”. O resultado desfavorável
à Arena nas eleições de novembro de 74, na opinião de Bichara, não devia ser
entendido como um julgamento contra a revolução, da qual não deviam se
envergonhar os que a apoiaram. Enalteceu no presidente Ernesto Geisel a
oportunidade dos acenos pelo retorno pleno da democracia, aludindo, certamente,
à operação distensão que fora deflagrada, com a contenção do que era denominado
de bolsões sinceros mas radicais do regime (no caso, a linha dura que desafiou a autoridade e o poder dos
governantes militares). E concitava Bichara: “Não devemos temer o povo se agirmos com dignidade, correção e
eficiência. A revolução não foi infalível, mas trouxe benefícios para o país”.
No depoimento para a edição de “O Norte”, alusiva ao IV Centenário da Paraíba, em 1984, Ivan fez estas observações: “Se alguém me perguntasse, à queima-roupa, qual a filosofia que adotei no governo, ou, em
termos mais simples, qual a preocupação maior que me animou naquele esforço, eu
diria: melhorar a qualidade de vida do paraibano. Para isso, não improvisei. Tomei posse no
dia 15 de março de 1975, mas seis meses antes abandonei minhas atividades no
Rio e procurei organizar uma equipe na Paraíba para formular um plano de governo
viável e objetivo. Dei, assim, destaque aos setores diretamente produtivos -
agricultura e indústria, sem esquecer os problemas sociais e humanos. Se pensava em melhorar o padrão de
vida do povo, teria de começar fortalecendo a economia (...) Tivemos a
preocupação constante de assegurar a todos o benefício da ordem pública. Não
tivemos conflitos mais sérios no meio rural, mas dois ou três casos foram por nós
pessoalmente assistidos e solucionados, a contento das partes. Nenhum
trabalhador foi preso no meu governo, nenhum estudante também. Preservei,
conscientemente, o setor fiscal qualquer
ingerência política. Devo fazer justiça ao afirmar que ninguém me criou
dificuldades a respeito do bom funcionamento das finanças públicas. O mesmo
ocorreu com relação ao Banco do Estado da Paraíba, cujo desempenho todos os
louvores merece. Quando deixei o governo, fui criticado por não ter deixado uma
obra de vulto em João Pessoa.
Esquecido pelos seus conterrâneos, o Governador Ivan Bichara é bem pouco lembrado pelos conterrâneos, Ivan Bichara é bem pouco lembrado. Acima o Batalhão de Polícia com o seu nome |
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