segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

“O Cangaceiro Sabino em Cajazeiras (O Herói)”

Artigo de Marilda Sobreira Rolim, publicado no Jornal "O Norte", edição de dezembro de 1996


 O cangaceiro é considerado um injus- tiçado. Mas eu pergun- to qual foi o crime cometido pela Justiça por não tê-lo julgado?
 O que os can- gaceiros fizeram foi juntar um número considerável de homens que não queriam trabalhar e que saíam tomando para se manter. Chegando a ocasião, naturalmente matavam, estupravam e assim iam de um Estado para o outro, sempre a cavalo. Para eles, a lei era o fuzil. Chegavam a uma propriedade com toda autoridade de dono, e se alguém não obedecia ali ficava no chão, “comendo terra”, como diziam.
      Sabino cangaceiro (foto), quando imaginou atacar Cajazeiras, convidou Lampião, que res- pondeu: “O Padre Cícero me passou ordem de nunca ir a Cajazeiras, porque ele foi aluno do Padre Rolim e não queria vê-lo sofrer”... Então o cangaceiro Sabino foi sem Lampião.
   Para o místico D. Moysés Coelho, foi uma noite de aflição. O Colégio Padre Rolim ficou cheio de famílias que queriam ficar à som¬bra do pastor, que só fazia rezar e pedir a todos que tivessem calma, que Deus tudo resolveria.
  A cidade sem nenhuma defesa, os cajazeirenses pacatos e confiantes não acreditavam que o bando tivesse ousadia: atacar Cajazeiras!
  Os poucos soldados foram para São João do Rio do Peixe. Os homens que armas ainda deram uns tiros à toa, Marechal Sobreira Cartaxo, Romeu Cruz, e Raimundo Anastácio.
A tardinha o grupo chegou. Logo na entrada da cidade matou dois agricultores, um soldado e um paralítico, que, na sua ingenuidade, gritou enaltecendo os "heróis”. A casa dos Barbosa, na Rua Dr. Coelho, foi incendiada, nunca se soube o motivo.
Sempre atirando e gritando, iam em di- reção à casa do Major Epifânio Sobreira Rolim (foto, onde hoje fun- ciona a Secretaria Mu- nicipal de Educação). O Major, muito calmo, de fuzil na mão, brin- cando, dissera para sua esposa dona Terezinha: “Tanta munição e eu não dou nenhum tiro” Nisso ouviu se as pisadas dos homens rodeando a casa. Tomaram seus lugares e tudo começou. Tanto atiravam como gritavam: “vamos te pegar, velho, te prender de cabeça para baixo e furar tua garganta, como se faz com um bicho”.
A família toda dentro de um quarto, crianças, moças, filhos adotivos, ao todo dezoito pessoas A porta da frente que dava para o jar¬dim foi aberta a coice de rifle A trave caiu; a pancada no assoalho juntou-se ao som do ferro de zincado. Até o piano ressoou. A dor na nossa cabeça uniu se ao medo; a oração ficou paralisada na garganta. Ouvíamos os gritos dos bandidos ''venham que tem uma porta aberta. ‘Vamos pegar o velho “na unha’”.
A porta aberta do casarão guardava a família do major, num grande desafio. O lutador não teve calma foi até o meio da sala, atirou e voltou baleado. No mesmo instante chegou o vaqueiro José Inácio, homem rústico e de tremendos bons sentimentos. Foi um amigão para o patrão. A experiente e desvelada esposa que orientava o major no combate, mudando de armas para confundir, notou que ele estava manquejando e baleado.
Cheia de ansiedade pediu ao esposo para saírem, mostrando lhes os perigos. Depois de muita insistência ele cedeu. Nesse momento ouvimos um tiroteio estranho. Era o motor da luz, causado por falta de água. Os cangaceiros, pensando ser reforço, se retiraram. Isso foi ideia de José Sinfrônio.
A nossa saída foi perigosa, mas deixou o alívio de ver o plano do cangaceiro Sabino não ser realizado, que era levar o major preso, de porta a fora, para conseguir dinheiro dos parentes e amigos. Já imaginaram que humilhação? Voltaram os bandidos cabisbaixos, sem o som dos gritos da vitória nem o eco das risadas, somente levando nos ombros a derrota aumentada pelo medo.
Marilda Sobreira Rolim
      Relembrando fatos do passado, eu vejo o testemunho de minha história e, nessa vida em pedaços, lamento o conceito sobre o que é ser herói.
Pedir aplausos para esses fi- gurados heróis, que foram no passa do o desassossego dos velhos e crianças, a aflição dos necessitados e o terror do Nordeste? Isso, jo- vens, não é ser herói!
Quando os nomes de Luiz Padre, Lampião ou Sabino eram pronunciados, o silêncio era ou- vido, a alegria fugia e o medo en- volvem aqueles que pensavam em seus familiares.
Marilda Sobreira Rolim é escritora, residente em Cajazeiras.

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